Você não se torna. Você abre a casca e deixa sair. Quando vê está batendo asas e aprendendo com o próprio ar. Cada ato é aprendizado e aprender com o erro alheio, que o vento segreda sorrateiro, conta muito. Então chega a hora de pousar numa flor, de escolher aquela que lhe prouverá com seu pólen e te encantará com suas cores. Flores maduras, que a vida carregam no colo há muito, que também foram sementes, que eram quase casulos, quase jaulas. E eis que estais liberto e rodeando essa flor. Talvez ambos não saibam muito sobre a vida e não tenham ouvido muito as lições dos ventos, das águas que correm subterrâneas e das gotas da chuva, talvez estejam libertos dos conselhos e dos maus conselhos e possam escolher aprender juntos, traçar seus próprios rumos e decidir como dividir seus frutos. Mas há flores que já sofreram os castigos das chuvas e de outros pássaros, Flores muitas vezes magoadas, perdidas no abismo do receio de abrir seus corações. Muitas vezes estas pobres flores não percebem as qualidades do pássaro que as rodeia e que deseja alimentar-se de seu pólen, de seus aromas. Flores que julgam na aparência jovial de um colibri a falta de experiência que nem mesmo pássaros calejados souberam demonstrar a elas. E nessa hora, resta ao jovem pássaro exercer a mais sábia lição que se pode aprender com os velhos ventos: a paciência. Pássaros novos tendem a pensar diferente dos mais velhos, tendem a ser considerados impulsivos e irresponsáveis. Acontece que os tempo mudam, a natureza muda, embora alguns desejos permaneçam. E a virtude desses novos pássaros será saber conjugar a autoridade do desejo com a conquista que só a paciência permite. Assim, quando for julgado inapto, por sua plumagem ainda brilhosa e por sua juventude exacerbada, como se isso fosse então um pecado ou uma desgraça, seja por parte de jovens flores que, ainda sem o tato da experiência, também não acreditam em seu potencial, seja pelas calejadas flores que pensam a todo momento em abandonar o jardim, por acreditar que o pássaro certo jamais irá se fazer presente, o jovem colibri deve apenas mostrar suas disposições, agindo com sinceridade e desapego, e deixar que o tempo mostre às flores que foi acerto ter se entregado aos seus cuidados ou erro tê-los rejeitados. Em suma, como cantam os ventos desde que o tempo iniciou-se, não é o tempo físico o tempo certo para a entrega e para o prazer, mas o tempo da alma, e quando duas almas, a de uma flor e a de um colibri, se encontram em sintonia, sejam filhos do mesmo dia ou de eras diferentes, nada pode impedir que o desejo seja consumado e que a fleicidade prospere no mais desvelado dos jardins, o jardim da alma.